segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Eleições

"Era 1974. Completara os esperados dezoito anos no ano anterior, mas só poderia votar agora porque aniversariava em dezembro. Estava ansioso. Tinha carteira de identidade, certificado de reservista e agora também título de eleitor. Iria votar.
Alinhou-se na fila, adentrou a sessão de votação e votou. Saiu rápido e voltou à pé para casa. Multidões faziam uma algazarra nas esquinas. Emporcalhavam a cidade com papéis.
Nos anos seguintes absteu-se de votar. Era a sua forma de protestar. Dizia que não concordava com nada daquilo. Em algumas eleições nem foi ao local de justificativa. Tempos depois arrependeria-se pelo transtorno, a multa ridícula, a aporrinhação. Mas naquele momento estava orgulhoso de sua atitude. Era marrento, autosuficiente, teimoso como todo capricorniano. Empurrava os muros com o peito e com a cabeça.
Os anos passaram rápidos, a cabeça branqeuou. A política não mudou. Saiu o Presidente da República que usara a vassoura para limpar a corrupção. Saiu pelas portas do fundo, alcoólatra populista, fujão. Entregou o país para a bandalha. Vieram militares quebrando as espinhas na porrada. Prendo e arrebento, prefiro o cheiro de cavalos, dizia um bronco. Antes houvera um marechal iletrado sentado na cadeira do Poder. Coisas do Brasil. Ame-o ou deixe-o. Eu te amo meu Brasil. País do futuro. O Gigante adormeceu.
Um dia o coração do jovem incendiou-se. Na Praça da Sé ajuntavam-se todos. Gritavam por Diretas-Já! A esperança vencera o medo, diziam. Ele não acreditou. Tomava uma cerveja gelada com o melhor amigo e deixava prá lá. Nunca comera pelas mãos dos outros, não seria agora.
Outros vieram. Teve um que era “caçador de marajás”. Durou pouco e saiu esbravejando, jurando inocência. O crápula ainda vive, pois coronel do sertão tem vida longa. Ainda elegeu-se senador depois de tudo. O povo não tem memória. O mesmo presidente-fujão, aquele que usava vassoura, que renunciou, que saíra pelas portas dos fundos, ainda elegeu-se prefeito da maior cidade do país. Pode isso?
Ontem o menino de cabelos brancos olhava indiferente a tela da televisão. Anunciavam os resultados das eleições. Incrédulo, virou-se para o lado e adormeceu. Sonhava que vivia num país em que ex-presidentes corruptos, aprendizes de ditadores eram enforcados em praça pública. Sonhava que um gigante despertava e que ao caminhar com seus pés assustadoramente grandes, tudo ia desfazendo-se, esfarelando, virando pó.
O menino de cabelos brancos acordou empapado de suor. A perna doía pela posição incômoda em que adormecera. Ao seu lado a esposa dormitava. Estava cansada, ressonava. Perdeu mais cinco minutos revirando-se na cama. Logo levantou-se.
Lá fora o sol prenunciava um dia tórrido. Ligou a televisão. Falavam do resultado das eleições. Desligou o aparelho e foi fazer o café."

(Meu amigo Valter Ferraz, no FaceBook de hoje)

Um comentário:

valter ferraz disse...

Rubinho, agradeço o compartilhamento do texto.
Deixo aqui minha admiração pela persistência em continuar com o Blog.
Abraço Forte