quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A Falta que Deus Faz

"Existindo fora e acima da narrativa oficial, Deus encontrava prazer em contestar as alegações de justiça e de suficiência das soluções políticas toleradas ou admiradas pelos homens.

Parte essencial da imagem que o ocidente faz de si mesmo é que nos consideramos desde sempre mais lúcidos e esclarecidos do que o resto do mundo.
Por quase dois milênios o orgulho ocidental esteve fundamentado no fato de sermos os legítimos bastiões da fé num mundo de resto cheio de incrédulos e pagãos. Como não há narrativa sem paradoxo, hoje em dia nos orgulhamos do contrário: de sermos aqueles que abandonaram as ilusões da religião num mundo de resto cheio de crédulos e fanáticos.
Os abusos do Estado Islâmico servem, em particular, como lembrete do quanto devemos nos congratular e dar tapinhas de aprovação nas costas uns dos outros por termos abandonado as armadilhas do obscurantismo. Veja o tipo de coisa em que acreditam esses caras, dizemos uns aos outros. Lamentável que sejam tão atrasados e não tenham abandonado como nós as ilusões da religião. O mundo não vai ser um lugar seguro enquanto houver gente dando crédito a esse tipo de crença sem fundamento.

Não há Deus além do mercado

Um dos problemas com essa convicção de superioridade é que ela também se baseia numa fé sem fundamento. E pode haver ilusão maior do que acreditar-se não iludido?
O século 20 entrou para a infâmia como o século das grandes e tremendas ideologias. Por razões que perdemos quase a capacidade de entender, as pessoas daquele continente perdido se permitiram acreditar em coisas como o fascismo, o nazismo, o stalinismo e o nacionalismo – grandes lorotas ideológicas que causaram toda sorte de injustiça, opressão e morte, e proveram o combustível para um circular rosário de guerras.
Entre as décadas de 1970 e 1990 solidificou-se a convicção de que as barbaridades do século 20 haviam servido para vacinar a humanidade ocidental contra o vírus de todas as ideologias. Nunca mais cairíamos em armadilhas da estirpe do nazismo e do fascismo; nunca mais nos permitiríamos a deliberada cegueira de seguir inferno adentro homens de vendas como Hitler, Mussolini ou Stalin. Nenhum líder carismático e nenhum elixir ideológico bastaria para nos seduzir ao fanatismo e nos desviar do cinismo e da lucidez que havíamos adquirido.
Quem nos convenceu que estávamos vacinados contra todas as ideologias foi, naturalmente, uma nova ideologia, a do capitalismo em sua estirpe neoliberal. O neoliberalismo ou fundamentalismo de mercado é uma modalidade extrema e fanática de capitalismo – tão ansiosa por converter e tão distante da moderação quanto a modalidade de islamismo adotada pelo Estado Muçulmano.
É uma ideologia como qualquer outra, porém mais insidiosa em que se recusa categoricamente a admitir que é uma ideologia – e pode haver algo mais ideológico do que afirmar-se não ideológico?
O neoliberalismo pede que creiamos, de um lado, que neste universo nada realmente existe se não se puder vender ou comprar; de outro, pede que acreditemos que quando todo recurso ao alcance do homem for transformado em produto haverá justiça para todos. Na verdade, o dogma não apenas alega (o que já seria incorreto, leia-se Marx ou Thomas Piketty) que o livre mercado produz efetivamente a justiça; ele insiste que a mão invisível/sobrenatural do mercado produz a única forma justa de justiça que a humanidade chegará a conhecer na história das civilizações passadas, presentes e futuras.
Nenhuma ideia humana foi evangelizada mais eficazmente, nenhuma desenhou para si uma narrativa mais totalizadora. Os monoteísmos eram totalizadores mas apelavam para a fé; os impérios eram totalizadores mas apelavam para a força. O capitalismo apela para o fim literal da história, para a rejeição literal de quaisquer alternativas, para o abandono literal de todas as narrativas competidoras. É o império dos impérios, a ideologia das ideologias, o apocalipse feito produto, e seu exército é invencível porque está onde houver um consumidor. Seu pão é o consumo, seu circo o público espetáculo do consumo.
O crente no capitalismo – e quem a esta altura pode deixar de ser – tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Nenhuma agressão e nenhuma apropriação nos parecerá em qualquer caso excessiva, porque o capitalismo deitou sobre toda agressão e toda apropriação o seu sagrado selo de aprovação. Como estamos convictos de que para o capitalismo não existem alternativas, tudo torna-se aceitável: a libertação entre aspas do Iraque, a napalmização do cerrado brasileiro com pasto e soja, a conversão da Amazônia em estacionamento de hambúrgueres, a transformação da China em calabouço produtivo do mundo.
O curioso é que aprendemos a absolutamente não tolerar o fundamentalismo e as reivindicações de supremacia na esfera da religião. Qualquer tradição religiosa que se ouse afirmar a única alternativa válida ou viável nos parecerá inerentemente obscena. Porém o que não toleramos na religião toleramos, de modo duplamente contraditório, na esfera secular. Somos os primeiros a professar em atos e palavras a fé de que para o capitalismo de livre mercado – uma ideia, uma mera ideia, uma ideia infeliz sem futuro e sem fundamento – não há alternativas.

A falta que Deus faz

De um lado, é um mundo em que todos no recinto que se consideram gente grande se creem livres das ilusões da religião. Do outro, os que sentem falta de Deus o fazem pelas razões mais mesquinhas e superficiais.
É um desfecho no mínimo curioso para a tradição judaico-cristã, que fundamentou-se desde sempre numa rigorosa polêmica contra as ilusões da civilização.
As religiões da Antiguidade existiam para legitimar impérios, ferramentas de dominação e estruturas de poder. Eram ferramenta política, e ninguém se surpreendia que fossem; seus rituais e cosmologias operavam uma ideologia a serviço das elites e do estado de coisas. A exceção, a divina exceção, espreita na Bíblia da tradição judaico-cristã, que manifesta do Gênesis ao Apocalipse um profundo ceticismo diante daquilo que os homens consideram grande e seguro, valioso e definitivo.
A Bíblia antecipa Marx, Sartre e Bernard Shaw na crueza do seu pessimismo. Aquilo que os homens consideram ordenado, justificado e inabalável, explicam as vozes bíblicas, é na verdade precário, condicionado e está prestes a ruir. Aquilo que os ricos e poderosos consideram justo e admirável, diz a Bíblia, você deve tomar por certo que justo e admirável está longe de ser.
Em particular, o Deus da Bíblia provê uma supranarrativa – uma versão da história que paira acima da narrativa oficial e desafia abertamente a sua supremacia.
Existindo fora e acima das narrativas oficiais, Deus serve para (e encontra prazer em) contestar as alegações de justiça e de suficiência de todas as soluções políticas toleradas ou admiradas pelos homens.
É da natureza dos impérios, a Bíblia alerta continuamente, fazer uso de uma narrativa totalizadora. Três milênios antes que o seu professor de esquerda mandasse você ler Eduardo Galeano, o Deus da Bíblia já ensinava que as alegações totalizadoras dos impérios não passam de discursos.
O império é do mal, mas vai explicar que é totalmente bom. O império é ilegítimo, mas vai alegar absoluta legitimidade. O império é injusto, mas vai se afirmar o grande promotor da justiça. O império vai se declarar a melhor coisa que já aconteceu, mas o mesmo disseram todos os impérios antes dele.
O império reluz como ouro, mas tem pés de barro.
De sua posição privilegiada acima da narrativa oficial, o Deus da Bíblia faz consistentemente a coisa mais surpreendente de todas, coisa tão revolucionária nos nossos dias quanto foi há três milênios: fala contra o império em nome dos oprimidos por ele.
Aqui reside, afinal de contas, a força do Êxodo, a história libertação do povo de Israel da servidão no Egito pela intervenção de Moisés. Como todos os representantes do império (porque todos os impérios são um só), o faraó esmagava aliados e oponentes debaixo de uma narrativa totalizadora de poder e legitimação. Sendo oficial e totalizador, o discurso do império produzia em tudo de humano que tocava (até mesmo no faraó) uma opressão da qual parecia impossível escapar.
A solução divina para a sujeição universal à narrativa imperial é a supranarrativa. A supranarrativa é a esfera de operação de Deus, o único personagem da novela não encarcerado pela narrativa oficial. A mera existência de Deus cria um espaço de manobra para que as políticas do estado e o próprio estado sejam severamente criticados.
A grande novidade da história do Êxodo, portanto, não é demonstrar o poder de Deus (o que acabaria reduzindo a supranarrativa a uma nova narrativa oficial). Sua subversão está em demonstrar de um lado a contingência do poder de todos os impérios, de outro a legitimidade do anseio do oprimido por justiça neste mundo e nesta vida.
O faraó aprende, e o leitor com ele, que a supranarrativa não há como contornar. Enquanto houver na Terra quem acredite que há algo mais legítimo do que o império, inteiramente legítimo o império nunca vai ser. Em termos estritos Deus não precisa sequer existir, ou basta que Deus exista nos clamores humanos por amor, igualdade e justiça.
Uma vez articulada a supranarrativa, uma vez que Deus tenha a liberdade ou a função de zombar do império e colocar em dúvida a sua suficiência, as alegações totalizadoras da supremacia imperial vêm abaixo imediatamente. Deus faz nascer a perspectiva, a perspectiva faz nascer a esperança, a esperança faz nascer o clamor por justiça – e do clamor por justiça brotam o confronto, a revolução e a reviravolta. O arbusto não precisa de outro combustível para começar a arder. A mera articulação da supranarrativa – que alguém ouse contar a história a partir do ponto de vista de Deus – serve para desencadear o processo.
O Êxodo é exemplar, mas Bíblia adentro a supranarrativa serve para desarmar as narrativas totalizadoras de um governo atrás do outro – até mesmo dos governos de Judá e de Israel . Deus é o observador cético da operação de todos os estados, o crítico social de todas as narrativas oficiais.
O império assírio, o império babilônico, o império romano – a Bíblia trabalha para anular os discursos totalizadores de cada um desses impérios, e oferece leituras cada vez mais críticas de suas operações e de sua legitimidade.
A supranarrativa oferecida e desencadeada por Jesus é por certo a mais devastadora e radical. O Pai de Jesus paira acima e além de todas as soluções políticas concebidas pelo ser humano. Ele não reconhece a legitimidade da monarquia, da democracia, da meritocracia, até mesmo da anarquia, porque todas essas soluções esbarram no detalhe – para ele inaceitável – de não serem o governo do amor e da graça, em que os prêmios são distribuídos pelo rígido critério do critério algum. No Novo Testamento a perversidade totalizadora do império só é corrigida pela instauração sempre interina do reino de Deus, o domínio em que governam não exércitos ou discursos mas o amor, que é despoder.

Um império sem uma supranarrativa

O capitalismo neoliberal é o maior império que o ocidente já ofereceu ao planeta, e é também o primeiro a não ser temperado por uma supranarrativa. Não acreditamos mais em Deus, pelo que não concebemos nada que se poste acima do capitalismo para efetivamente zombar dele, denunciar a sua ilegitimidade e clamar por justiça aos seus oprimidos. Deixamos de crer não apenas em Deus: deixamos de acreditar que para o império vigente existam verdadeiras alternativas. O império agradece.
A coisa que mais se assemelha a uma alternativa ao capitalismo é o socialismo, mas o socialismo é uma narrativa paralela, não uma verdadeira supranarrativa.
Contra o fundamentalismo de mercado uma narrativa paralela – um discurso alternativo, por mais lúcido e bem articulado que seja – não bastará jamais, porque o capitalismo é um morto-vivo que se apropria de tudo que se coloca no seu caminho, até mesmo os seus antagonistas, e reverte em seu favor a diferença de potencial. O capitalismo na verdade se beneficia da existência do socialismo como alternativa, e faz uso dele do mesmo modo que usa toda forma de concorrência ou de crítica: de modo a se legitimar.
Não sendo um discurso, a supranarrativa divina não se prestaria a esse tipo de apropriação. Porém deixamos de acreditar em Deus, deixamos de imaginar a perspectiva divina e de sonhar com ela, deixamos de dar ouvidos à divina crítica à comédia humana. A supranarrativa não representa um perigo para o capitalismo.
Nem mesmo os que acreditam em Deus, bem entendido, sentem-se compelidos a exercer a vocação divina à subversão política.
O islamismo tem a desvantagem de conter em si mesmo uma proposta política, um modelo de estado e de organização. O islamismo é capaz de criticar ocasionalmente o capitalismo mas, ao contrário do cristianismo bíblico, não está armado – não tem espaço de manobra – para criticar toda e qualquer organização política. Tendo a sua própria narrativa para defender, não está em condições de oferecer contra o império uma supranarrativa.
Os cristãos, que poderiam fazer diferente, não representam ameaça. A maior parte acompanha os evangélicos/republicanos norte-americanos em prestar irrestrita adoração ao capitalismo. Em vez de criticarem a própria natureza e a legitimidade do sistema, gastam tempo com polêmicas rasas e condicionadas, e suas intolerâncias e melindres alimentam os demônios do fascismo e do nacionalismo.
Os católicos estão mais próximos de fundamentar na divina perspectiva uma crítica ao capitalismo; veja-se por exemplo as posturas recentes do papa Francisco. Porém o capitalismo se defende negando a legitimidade da supranarrativa oferecida pelo papa e colocando em dúvida a sinceridade da sua fé. Não é que católicos como Francisco acreditam num Deus acima do capitalismo, afirmam os neoliberais; é que Francisco, por estupidez ou por maldade, acredita nas ilusões do comunismo (pouco importa que a ideia de que ninguém é melhor do que ninguém tenha sido cristã muito antes de ter sido comunista).
Desse modo o capitalismo prossegue mastigando os ossos do mundo, tendo já consumido as suas carnes, sem que qualquer supranarrativa se intervenha para oferecer perspectiva e esperança, e a partir dessas coisas a justiça.
Porque, se existisse, Deus estaria dizendo que os ricos e poderosos que você se sente tentado a invejar são na verdade canalhas e exploradores em situação precaríssima. Estaria dizendo que o capitalismo neoliberal, o sistema político-econômico que se afirma o mais justo já operado entre os homens, não passa de um império: um império maldito, ridículo, ilegítimo e perverso, que nada promove além de injustiça, desigualdade, destruição e opressão. Estaria dizendo ai dos ricos porque são demônios, e felizes dos pobres porque podem pelo menos dormir com a consciência limpa. Estaria dizendo que o reino de Deus é o domínio diametralmente oposto ao império da ganância e das explorações.
Estaria dizendo: bem-aventurados os que não consomem, porque não serão consumidos.
Curiosíssimo é que o Novo Testamento afirma, incrivelmente, quase blasfemamente, que Deus é amor. Sendo um ponto de vista, uma escolha e uma perspectiva, o amor pode sempre oferecer uma supranarrativa.
Talvez o Novo Testamento esteja certo, e Deus talvez não esteja no céu, mas no coração dos homens e mulheres de boa vontade. Talvez o reino do céu seja o reino da plena graça e igualdade na terra. Se Deus é amor, como está escrito em todas as Bíblias do planeta, acreditar em Deus tem de ser, pelo menos um pouco, acreditar no amor.
Deus então pode ser, e pode sempre ter sido, o espaço de manobra que se abre no coração de quem ousa conceber solução mais elevada do que o império. Se Deus é amor, pode muito bem não ter desejado existir em outra forma."
(Paulo Brabo, em sua "Forja Universal")

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Você é Inocente Quando Sonha



Innocent When You Dream

The bats are in the belfry
The dew is on the moor
Where are those arms that held me
And pledged her love before
And pledged her love before

It's such a sad old feeling
The hills are soft and green
It's memories that I'm stealing
But you're innocent when you dream
When you dream
You're innocent when you dream

I made a golden promise
That we would never part
I gave my love a locket
And then I broke her heart
And then I broke her heart

It's such a sad old feeling
The hills are soft and green
It's memories that I'm stealing
But you're innocent when you dream
When you dream
You're innocent when you dream

Running through the graveyard
We laughed my friends and I
We swore we'd be together
Until the day we died
Until the day we died

It's such a sad old feeling
The hills are soft and green
It's memories that I'm stealing
But you're innocent when you dream
When you dream
You're innocent when you dream

terça-feira, 11 de outubro de 2016

A Quem Interessar Possa: Anarquismo não é Utopia! Entrevista com Daniel Colson

Entre las tradiciones históricas revolucionarias, es difícil encontrar una más repleta de tesoros que el anarquismo. Las diferentes versiones del marxismo-leninismo (maoísmo, trotskismo), son hoy prácticamente “lenguas muertas”, es decir, “lenguas que no son ya la lengua materna de ningún individuo, ni la lengua de uso en ninguna comunidad natural de hablantes”. Y si algún autor de esa corriente aún nos hace pensar hoy, como es el caso de Gramsci, es por haber tenido que inventar en su día un nuevo lenguaje (en lugar del vocabulario marxista clásico) para esquivar la censura.
Por el contrario, el anarquismo resuena intensamente con los movimientos políticos más recientes como las plazas de 2011: autoorganización, rechazo de la delegación, disgusto hacia las intrigas de palacio, atención sensible hacia todas las relaciones vitales, carácter afirmativo y no sólo reactivo, lógica no frontal o simétrica del antagonismo, etc. Y sin embargo, ese vínculo es más implícito e inconsciente que explícito. ¿Por qué? Porque hay dragones. Dragones guardianes que, hechizados por el brillo del tesoro, lo custodian de tal modo que lo sofocan y esterilizan. Encierran el anarquismo en siglas, fechas y héroes, fetichizan la memoria, construyen identidades-fortaleza, desconfían de lo nuevo.
Se vuelven necesarios, pues, los espíritus aventureros que se atreven a burlar la vigilancia de los dragones para liberar y compartir los tesoros retenidos. Los “traductores” que devuelven la vida al anarquismo y el anarquismo a la vida, activando una memoria no nostálgica, sino inspiradora para el presente. Como por ejemplo Tomás Ibañez Christian Ferrer o el filósofo e historiador francés Daniel Colson.
En esta entrevista concedida a la revista francesa Ballast, Daniel Colson comparte algunos de los preciosos tesoros que ha encontrado en sus incursiones: el anarquismo como ontología y no como utopía o ideal, la visión del Estado como “resultante” de las relaciones de poder micro, el antiautoritarismo existencial como rasgo libertario, la ética anarquista como lógica de los comportamientos y los afectos, la revolución social más allá de la revolución política, el sentido de la multiplicidad, etc.
Tesoros para disfrutar y compartir, para activar en la vida y en las luchas, una vez liberados de los dragones guardianes de la ortodoxia.
Propones la idea de que el anarquismo no sería un modo de vivir, ni un estado de ánimo, sino una verdadera ontología. ¿Qué quieres decir con esto?
Hablar de ontología es hablar de lo que es, de lo que hay, de las cosas, de los hechos. Al contrario de lo que se piensa a menudo (algunos libertarios también lo hacen), el anarquismo no es un ideal o una utopía, ni tampoco una de esas ideas bellas pero irrealizables. El anarquismo es extremadamente realista. Habla de las cosas tal y como son: el caos, los accidentes, la vida y la muerte, la alegría, pero también la tristeza y el sufrimiento, las relaciones de fuerza y de poder, el azar y la necesidad, tanto de la existencia humana como del mundo y el universo que son los nuestros. En dos palabras, la "anarquía" de lo que es. El idealismo y la utopía no están del lado del anarquismo, sino del lado de las "leyes", de las "religiones", de los "Estados" y de los sistemas (incluso científicos) que pretenden poner orden y dar sentido al caos, doblegarlo a su lógica particular, a costa de muchos sufrimientos, violencias y obligaciones. El orden se dice a sí mismo realista, pero su realidad no es otra que la de la dominación.
¿Podrías hablarnos de esto a través de un ejemplo?
Sí, formo parte desde hace muchos años de una librería asociativa libertaria, La Gryffe. Como todas las asociaciones -esos "seres colectivos", que diría Proudhon-, La Gryffe ha vivido (y vive) numerosos conflictos a lo largo de su dilatada historia: una multitud de pequeñas tensiones localizadas en el día a día; pero también conflictos generales (o de conjunto) más o menos dramáticos, bajo la forma de crisis periódicas en torno a la orientación y el funcionamiento de la librería o a la apropiación de la "fuerza colectiva" (Proudhon) que "resulta” de cualquier cooperación, grupo o asociación.
Esas tensiones y crisis han provocado a menudo un profundo desánimo entre los miembros de La Gryffe y entre quienes la observan desde fuera. ¿Cómo? ¿Incluso un proyecto libertario como La Gryffe no logra evitar las fricciones, los líderes y las luchas por el "poder"? ¿Qué pasaría entonces en un marco más amplio? ¿Cómo puede creerse en el proyecto anarquista si ya sus más mínimas manifestaciones y tentativas no consiguen funcionar sin complicaciones, divisiones, renuncias, impotencias y choques (incluso a veces violentos, como lo demuestra la historia del anarquismo español)?
Por supuesto, hay razones evidentes en este mundo para estar desanimado. Pero desde un punto de vista libertario, no son de este tipo. No tienen que ver con la debilidad de una utopía o ideal que se estrellaría contra la dura realidad de un mundo en el que actuar como un ángel conduce muy a menudo a comportarse como una bestia. Lejos de sorprenderse o desanimarse, los anarquistas deberían advertir que las tensiones, los conflictos, las pasiones, las rivalidades y las violencias que se pueden constatar por todas partes son justamente la prueba más concluyente de la ontología que ellos defienden: la anarquía de lo que es, la anarquía de lo que hay. Bajo la fachada de las religiones y los Estados, de la cortesía y de las apariencias, siempre espera una nueva crisis, una nueva explosión, una nueva demostración del carácter anarquista e indomable de la realidad.
El desánimo de los libertarios no tiene que ver con el diagnóstico de la realidad, sino con la dificultad para deshacerse del peso de las representaciones idealistas, con la transformación reiterada del realismo anarquista en unos principios abstractos e ideológicos comparables a los de todas las demás ideologías y religiones, morales o estatales. Una vez convertido en programa e ideal, los anarquistas se esfuerzan, como nuevos Sísifos, en aplicar el proyecto anarquista a la realidad, pero es en vano. Ni siquiera disponen del poder de las instituciones autoritarias y jerárquicas que podrían darle a su proyecto, como ocurre en los demás casos, ciertas apariencias de realidad.
¿Dónde y cómo nace la concepción anarquista de la realidad? ¿Y en tu caso personal?
El punto de partida de la concepción anarquista del mundo no radica en la filosofía o en "la cabeza" de algunos pensadores como Proudhon o Bakunin. Bakunin "se vuelve anarquista" tardíamente, bajo el efecto de los acontecimientos, de su encuentro sensible y concreto con los  obreros relojeros del Jura en Suiza. El pensamiento de Proudhon, muy marcado al comienzo de su vida por la experiencia profesional en una imprenta, se debe principalmente a los acontecimientos de 1848, que transformaron profundamente, quizá no tanto a la persona que era, pero sí lo que pensaba y no dejó ya nunca de pensar.
En mi caso (mucho más modesto, evidentemente), tampoco empecé por la filosofía, sino también por unos acontecimientos (los de Mayo del 68 en este caso) que cambiaron mi vida, pero también por una serie de investigaciones históricas profundas sobre el movimiento obrero. Es decir, yo me hice interiormente anarquista en el fuego de los acontecimientos de Mayo, pero fue el contacto con la historia obrera lo que me hizo entender la amplitud y la profundidad del proyecto libertario, su manera de relacionarse con las cosas y con la vida más inmediata y material, así como la radicalidad de la revolución que este proyecto implica.
En el vocabulario de la filosofía contemporánea, se podría decir que el anarquismo constituye un horizonte de pensamiento o, de manera más amplia, un “plano de consistencia” (Deleuze). Algo "prende", algo "cuaja" y va asociando numerosas entidades diferentes al mismo tiempo que las hace proliferar: prácticas, teorías, técnicas, expresiones, temperamentos, personalidades, modos de ser, conceptos, gestos, ideas, estéticas, etc. Proudhon propone un concepto especial para pensar este "cuajar" de hechos y fuerzas diferentes: es el concepto de "homología" (que por cierto usa también Spinoza cuando explica, a groso modo, que hay más puntos comunes entre un caballo de labranza y un buey que entre un caballo de labranza y un caballo de carreras).
Así es como se han asociado (para mí) realidades tan diferentes como la historia del movimiento obrero y El Anti-Edipo de Deleuze y Guattari, entre ellas y a la vez con todo un mundo de hermanos, hermanas y primos, a veces muy lejanos: Spinoza, Leibniz, Simondon, Gabriel Tarde y muchos otros más. Y así creo que puede entenderse el concepto de "anarquía positiva" de Proudhon: un "prender", un "cuajar" de cuerpos y sentidos, no como se solidifica el hormigón (esa es la manera del fascismo religioso y el integrismo islámico), sino más bien en el sentido de una improvisación de jazz: modos de asociación de entidades radicalmente dispares y singulares que recomponen el mundo sin dejar nunca de ser diferentes, de tener una realidad, un modo de ser y un punto de vista radicalmente irreductibles a todos los demás. Los "haces de autonomía" (Proudhon), las "libres asociaciones de fuerzas libres" (Bakunin) o la "unión libre [...] de los únicos" (Stirner y Landauer) son modos de asociación que implican la autonomía absoluta de las fuerzas asociadas.
Hablabas de "anarquía positiva". ¿Tiene esta noción de Proudhon un eco en tus libros, en tu insistencia sobre el carácter nocivo del resentimiento y de la negatividad como motores políticos, tan presentes sin embargo en los ámbitos contestatarios? En el fondo, ¿cómo luchar sin odio?
No había pensando en el sentido que le das a la palabra "positiva" en la fórmula de Proudhon. Me parece que esta palabra le servía sobre todo para distinguir entre una especie de anarquía primera, en el sentido tradicional y negativo de "an-anarquía", de caos, y un segundo sentido, la auto-organización en el seno de ese caos, la auto-organización de ese mismo caos, mediante todo un proceso de selección de fuerzas, de disposiciones, en oposición y en equilibrio, etc. Pero, tenga que ver o no con Proudhon, tu pregunta sigue vigente y valida.
El anarquismo, estrechamente vinculado en su nacimiento a la violencia de la lucha de clases de los inicios del capitalismo industrial, no se libró de los efectos de odio, de resentimiento y de venganza que inducía dicha violencia. Pero no es el odio y el resentimiento lo que llama más la atención cuando se estudia la historia del anarquismo, especialmente de ese anarquismo obrero que fue su cuna y su horizonte.
Si uno examina la organización de los  "Caballeros del trabajo" o el contenido de los discursos de los líderes de los movimientos obreros que recriminan a su público la actitud de esclavos o de ovejas, es que el anarquismo obrero nace y se afirma, no como un movimiento de víctimas, sino de "maîtres" [amos y señores, pero también maestros y maestros artesanos], en el sentido que Nietzsche da a esa palabra. El "amo" anarquista y el "amo" nietzscheano comparten la característica decisiva de no tener ni necesitar esclavos (tanto Nietzsche como Proudhon son críticos de Hegel y de su dialéctica del amo y del esclavo).
Los "amos" de artes y oficios donde el anarquismo encuentra a muchos de sus militantes, los “amos” zapateros del Père Peinard que echan a los patrones a golpes de cinturón, etc. Habría mucho que decir sobre la complejidad y la ambivalencia de aquella actitud de "amos", tanto en el terreno profesional como dentro de las familias obreras, a través del modelo patriarcal que defiende vigorosamente Proudhon, donde el cinturón no sólo sirve para echar a los patrones...
Los "amos" de Nietzsche y del anarquismo son afirmativos, afirmativos en la rebelión y en las fuerzas interiores que autorizan esa rebelión, incluso cuando se trata de una rebelión tan desesperada como la de los Sonderkommandos de Birkenau o de Treblinka. En Nietzsche y en el anarquismo encontramos la misma idea de una afirmación emancipadora que escapa a toda negatividad; una afirmación generosa que pretende arrastrarlo todo consigo, rehacerlo todo, como lo demuestra la idea de huelga general insurreccional y el "separatismo" que implica ("la comunidad en la fuga" de la que habla Gustav Landauer) y que uno encuentra en el viejo anarquismo obrero, pero también en muchos movimientos contemporáneos (puede leerse en este sentido A nuestros amigos, el último libro del Comité Invisible).
Creo que estás de acuerdo con el análisis que hace Foucault del poder, ¿nos puedes decir algo más al respecto?
Para Foucault, el "poder" está en todas partes: es una multitud infinita de pequeños poderes o de pequeñas relaciones de poder que se encadenan, producen y sostienen entidades más amplias (las "resultantes" de que hablan Proudhon, Bakunin, Reclus...): los Estados, las Iglesias, las leyes religiosas, el capital, Dios. Todas las micro-relaciones de poder parecen emanar de estas entidades, pero en realidad son su causa y su sostén .
Se puede lamentar que Foucault no haya tomado más en cuenta el pensamiento libertario. Pero también es lamentable el hecho de que el pensamiento libertario haya podido, no tanto en sus prácticas como en las representaciones de muchas de sus organizaciones y de sus militantes más ideológicos, hipostasiar las resultantes de las relaciones de dominación: hipostasiar el Estado, el capital, las religiones como grandes enemigas (reproduciendo la creencia de que ellas son la fuente y el origen de las relaciones de poder, cuando en realidad sólo son sus resultantes y sin ellas no son nada).
El anarquismo no nació de una teoría previa y negativa del Estado y su conveniente destrucción. De forma mucho más concreta, el anarquismo nació de la práctica y de las interacciones inmediatas y minúsculas de la Primera Internacional, del modo en que Anselmo Lorenzo y Paul Robin percibieron las relaciones de Marx con sus discípulos, por ejemplo. Son estas pequeñas interacciones, amplificadas, las que han dado sentido a una crítica más general del Estado, del Capital, de la Religión, de la Política y de los Partidos. De manera muy significativa, el movimiento libertario naciente no se definió primero como anarquista, sino como "anti-autoritario". El anarquismo nació de prácticas y percepciones anti-autoritarias (la vertiente guerrera y combativa de la palabra "libertario") y son esas prácticas y esas percepciones las que han continuado dándole cuerpo y sentido al anarquismo, al anarquismo obrero o al anarquismo actual, en sus componentes más vivas y menos ideológicas.
La suerte del anarquismo es que, como movimiento práctico y nacido de la práctica, tuvo enseguida, con Proudhon y Bakunin principalmente, una teoría homóloga a esas prácticas. Una teoría de la "fuerza colectiva" compuesta por otras fuerzas colectivas que producen "resultantes" que corren siempre el riesgo de volverse contra las mismas fuerzas que las han producido. Sé que es complicado, sobre todo para las mentes marcadas por las representaciones del orden dominante, pero me parece que quienes tienen las tripas (ese "otro cerebro") o el resorte anarquista, deberían hacer el esfuerzo de leer realmente a Bakunin, a Proudhon, a Kropotkin y a tantos otros...
¿Qué podríamos encontrar en estos viejos autores?
Por ejemplo, Proudhon proporciona una batería de conceptos extremadamente ricos y esclarecedores sobre la naturaleza de las relaciones de poder. "Fuerzas", "fuerzas colectivas", "resultantes", "componentes" y "composiciones", "absolutos", "mónadas", etc. La gran originalidad de la teoría anarquista de inspiración proudhoniana se puede resumir en tres puntos:
1. Dar cuenta, de manera concreta, de todas las potencias que nos aplastan y dominan en el campo económico (teoría del valor), político (nacimiento y sostenimiento del Estado), ideológico y simbólico (Iglesia, Dios).
2. Dar sentido a las luchas e interacciones más inmediatas y minúsculas, frente a la visibilidad cegadora de las grandes dominaciones, como los "focos" donde se libra por doquier la guerra entre dominación y emancipación.
3. Inscribir explícitamente lo que está en juego de manera global e inmediata en lo que Proudhon llama una "nueva ontología" que funda la potencia teórica, práctica y revolucionaria del anarquismo.
Criticas el "cientificismo ingenuo y cínico" del marxismo y elogias la ética del anarquismo. ¿Cuál es esa ética? ¿Que los medios, como decía Camus, son ya fines en sí mismos? ¿Que, como declaraba Malatesta, a quien dedicaste un libro, más vale una derrota que la victoria sin principios?
Me parece que habría que precisar lo que entiendo por "principios". En el anarquismo, no se trata de ideas y leyes abstractas, codificadas y grabadas en mármol. Se trata de una determinación y de un juicio internos a cada situación , por minúscula que sea, un juicio o una evaluación inmediata, práctica y muy intuitiva, intempestiva, por ejemplo la de los milicianos españoles desertando de las columnas anarquistas en el momento mismo de su militarización.
Camus tiene razón. Para el anarquismo, solo existen "fines" y no "medios", fines inmediatos e innumerables: en dos palabras, la anarquía, la an-arkhe , no es la ausencia de principios, sino un exceso de principios primeros, de “absolutos” como decía Proudhon, que asociados y federados, son capaces por selección, confrontación, imitación, lógica y dinámica internas de reproducirse y propagarse por todas partes. El anarquismo se opone a cualquier lógica instrumental y utilitaria, objetiva y objetivante. Cada cosa es una fuerza singular que resulta de una composición de fuerzas igual de singulares, ellas mismas compuestas de otras fuerzas singulares.
Para criticar el anarquismo, hay quien habla de "deseo", de "capricho" y de "subjetividades deseantes". Pero es equivocado reducir el anarquismo a las trampas y las deformaciones del liberalismo, a la presión de consumir cada vez más objetos o mercancías de todo tipo. Para el anarquismo, los "deseos" no son los del consumo capitalista y sus individuos artificiosos, esas "unidades de codicia" de las que habla Gilles Châtelet en Vivir y pensar como puercos: "bolas de billar patéticas que en sus esfuerzos por diferenciarse se hunden cada vez en la mayor equivalencia". Para el anarquismo, los deseos son fuerzas materiales singulares que implican y movilizan cada vez la totalidad de lo que es, bajo cierto punto de vista, según cierta configuración, un modo de ser opresivo o emancipador. "Deseos", "fuerzas", "voluntad de poder" (pero también "conatus", "entelequias" y otras nociones) son conceptos que afirman, cada uno a su manera, la misma realidad, la realidad material de lo que es.
Efectivamente, al cientificismo del marxismo (a las "situaciones objetivas" decretadas e impuestas por el Partido), el anarquismo no le opone ninguna moral, ni unos principios morales, sino una "ética", en el sentido de Spinoza. Una ética que es ante todo una etiología, una lógica de los comportamientos y de los afectos, un sentido práctico, que proviene de las cosas, los acontecimientos y las situaciones.
Una vieja querella agita los movimientos de emancipación, en el sentido amplio de la palabra: el individuo y el colectivo. Se acusa a menudo a los anarquistas de despreciar el segundo término y a los comunistas de sacrificar el primero. ¿Cómo resuelves esa cuestión?
Históricamente, el anarquismo padeció durante mucho tiempo una corriente "individualista" muy particular y que hoy, afortunadamente, casi ha desaparecido. Se volvió inútil en la medida que el propio capitalismo impuso a todo el mundo la "individualización" de los "gustos y colores" que el individualismo "anarquista" oponía a las nuevas y viejas comunidades (Iglesias, sindicatos, oficios, naciones, familias, grupos de afinidad, etc.). Este individualismo anarquista (que siempre fue marginal y que todavía perdura aquí y allá, en el terreno de la alimentación, de la procreación o de la sexualidad por ejemplo) tiene dos características negativas.
Acabamos de ver la primera: la inscripción del individualismo anarquista en el interior de las representaciones y las prácticas o los "deseos" del liberalismo capitalista hoy hegemónico. La segunda característica deriva de la primera pero va más allá. Es la creencia exorbitante en la existencia primera y auto-fundadora de un "sujeto" trascendental, dueño de sus elecciones y de sus decisiones; una creencia y un postulado extremadamente poderoso en la vida práctica (educativa, laboral, judicial…) y en el terreno de la filosofía, desde Descartes a Sartre, pasando por Kant, Husserl y muchos más.
Para los movimientos anarquistas pasados y presentes, la relación entre el individuo y el colectivo se plantea en unos términos y en un horizonte de pensamiento y acción radicalmente diferentes. La afirmación "personal", como diría Proudhon, no tiene nada de liberal y no remite a la ficción moderna de un individuo o un sujeto trascendente, que existiría por fuera de las cosas, de las situaciones y de los acontecimientos. La inmensa mayoría de los militantes revolucionarios, orgánicamente vinculados a movimientos de masas (principalmente, el sindicalismo), pueden calificarse seguramente como "personalidades fuertes" o "individualistas", pero ese individualismo y esa personalidad sólo tienen sentido y existencia dentro de los movimientos colectivos, dentro de las "subjetividades colectivas" de las que son a la vez el producto y una de sus componentes.
Un último comentario: para el anarquismo, no hay diferencias de naturaleza entre el "individuo" y el "grupo". Como lo subraya Proudhon, "el individuo es un grupo", un "compuesto de potencias" ellas mismas compuestas de otras potencias compuestas y así hasta el infinito. El "individuo es un grupo" y todo "grupo es un individuo", una "individuación", un "ser", una "subjetividad", un "absoluto", cada vez singular y sorprendente, y sólo mediante una larga experiencia colectiva podemos captar sus fuentes y sus efectos, buenos o malos, opresivos o emancipadores.
Críticas la pertinencia de las nociones de derecha y de izquierda como "ilusiones" que sólo sirven para estafar a los ciudadanos-electores. ¿Piensas que habría que superar esa división ineficaz para comprender nuestra época, como aconsejaba Castoriadis? Hay quien te diría que es lo mismo que dice el Frente Nacional...
La distinción derecha/izquierda, así como el "ni derecha ni izquierda", son nociones políticas y politiqueras, aunque se basen y actúen en un viejo fondo imaginario que desborda los meros dispositivos políticos. El anarquismo recusa lo político como una trampa mortal para un proyecto revolucionario que abarca la totalidad de lo que hay, que parte de esta totalidad, de todos sus componentes. A la "revolución política" (nuevo Estado, nuevos dirigentes, nueva constitución), el anarquismo opone desde el principio una revolución social y económica ("la Social") que se distingue radicalmente de la simple y vieja revolución política. Una revolución que parte de todas las cosas, una revolución de largo recorrido que las implica a todas por igual: es "la independencia universal" y "la independencia del mundo" que cantan las viejas canciones obreras del siglo XIX. En esa lógica emancipadora, los "revolucionarios" no preguntan jamás a sus numerosos compañeros de pelea si son socialistas, de derechas, cristianos o budistas. La dinámica y la lógica emancipadora valen por sí mismas, no se exigen los compromisos ideológicos propios de los partidos, las Iglesias o las "sectas".
Hemos visto recientemente, en España, a ciertos anarquistas mostrarse  extremadamente hostiles hacia un movimiento como Podemos y, en particular, hacia su portavoz Pablo Iglesias: ¿no hay una especie de purismo y de sectarismo en el movimiento anarquista que le condena a predicar dentro de su capilla, a hablar sólo a las minorías, a mantenerse lejos de “las masas”, por usar una palabra que no te gusta mucho?
Desconozco la naturaleza de esas críticas hacia Podemos y, por experiencia, desconfío un poco de ellas. Pero en lo que venimos diciendo creo que habría argumentos para elaborar una crítica anarquista. Podemos presenta dos características estrechamente unidas e igualmente inaceptables para el anarquismo:
1. Una solución política, ganar las elecciones, conquistar el poder del Estado.
2. Fundar su acción y esta victoria (de opinión) sobre la cantidad, sobre la "mayoría" de individuos-electores-ciudadanos, que se parecen como tales a las "bolas de billar" de Chatelet y se expresan en  grandes coreografías "de masa" que llegan después (y codifican) las movilizaciones de las multitudes heterogéneas.
Para acabar, quizá la pregunta más difícil: ¿podrías dar una breve definición del anarquismo?
Es Deleuze (y Guattari) quien, de manera aparentemente enigmática, da a mi juicio la mejor definición: la Anarquía, "una extraña unidad que sólo se reclama de lo múltiple". Espero que lo dicho anteriormente contribuya a aclararla.
(Esta es una versión parcial de la entrevista publicada por la revista francesa Ballast en febrero de 2015.)

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

3 erros do governo PT

"Talvez o melhor aspecto do pensamento à esquerda e que mais me influenciou foi o estímulo à análise e à auto-crítica. Faz um ano publiquei um vídeo one analisava o problema dos governos recentes de esquerda no Brasil, que fizeram a maior inclusão da história do país, mas que o fizeram as custas de três defeitos: 1- a inclusão foi tutelada, não permitindo a libertação e a emancipação plena dos cidadãos. 2- A inclusão foi financiada por crédito para consumo, desestimulando a poupança e o investimento desde a base. 3- A inclusão foi medida pela capacidade de consumo, e assim sendo, criou mimados e estimulou o desejo mais torpe de felicidade por meio do consumo, do desejo e da aparência (avião, carro, eletrodomésticos, roupas se tornaram objetivos a serem alcançados). 
Esta tríade, mas em especial este terceiro aspecto explica em grande parte porque um João Dória, epítome do consumismo superficial, virou desejo de TODAS as sessões eleitorais de são paulo, elegeu-se nas zonas mais pobres do mesmo jeito que nas mais ricas, e porque não há resistência efetiva ao golpe, mas sim o silêncio omisso de quem não liga. Ao optar pela inclusão a crédito, tutelada e consumista criou-se o chão para pavimentar a subida da direita. Fomos derrotados não por uma direita má e autoritária, mas por optar por um conjunto de valores sedutores e irresponsáveis e por fazer inclusão pela consumo"

Claudio Oliver, no Facebook

terça-feira, 4 de outubro de 2016

O que nos faz, seres humanos, diferentes de todos os outros animais conhecidos?

Este video está em Inglês, mas felizmente, há legendas em em Português.
Sugiro fortemente que separe 17 minutos do seu tempo para vê-lo. 
Você não vai se arrepender!