quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Esopo e o ex-tenente

"ESOPO E O AUTORITARISMO OBSCURANTISTA RELIGIOSO-BOLSONARIANO BRASILEIRO
Por Obadias de Deus
Anos atrás, quando meus amigos evangélicos pensadores me diziam que o Brasil corria o risco de cair numa ditadura obscurantista evangélica, eu dizia: “Calma lá, amigos! Não acredito que essas ideias retrógradas terão espaço no Brasil! Temos muita gente civilizada!” Hoje, com a possibilidade de o Brasil se tornar uma teocracia evangélica nos moldes iranianos, devo reconhecer que apostei demais na nossa suposta civilidade. 
No período eleitoral, quando Bolsonaro crescia assustadoramente do episódio obscuro da facada, eu dizia aos meus amigos mais catastrofistas: “Calma lá, amigos! Bolsonaro é um falastrão imbecil! Ele chegará ao poder e será enquadrado pelo establishment! Ainda que o establishment político brasileiro seja muito ruim, as forças políticas tradicionais não deixarão que ele instaure seu regime de barbárie!” Devo reconhecer, novamente, que fui muito otimista e acreditei demais na nossa suposta civilidade.
Lembrei-me desses episódios ao ler trechos do livro “Quando as democracias morrem”, de Steven Levitsky, quando cita abomináveis autocratas do século XX, grupo a que Bolsonaro está se tornando aos poucos um “venerável” candidato:
Surgira uma séria disputa entre o cavalo e o javali; então, o cavalo foi a um caçador e pediu ajuda para se vingar. O caçador concordou, mas disse: “Se deseja derrotar o javali, você deve permitir que eu ponha esta peça de ferro entre as suas mandíbulas, para que possa guiá-lo com estas rédeas, e que coloque esta sela nas suas costas, para que possa me manter firme enquanto seguimos o inimigo.” O cavalo aceitou as condições e o caçador logo o selou e bridou. Assim, com a ajuda do caçador, o cavalo logo venceu o javali, e então disse: “Agora, desça e retire essas coisas da minha boca e das minhas costas.” “Não tão rápido, amigo”, disse o caçador. “Eu o tenho sob minhas rédeas e esporas, e por enquanto prefiro mantê-lo assim.”
(...)
Com a ordem política restaurada pela nomeação de Mussolini e o socialismo em retirada, o mercado de ações italiano subiu fragorosamente. Estadistas mais velhos do establishment liberal, como Giovanni Giolitti e Antonio Salandra, se viram aplaudindo a virada dos acontecimentos. Eles encaravam Mussolini como um aliado útil. Contudo, como o cavalo da fábula de Esopo, a Itália logo se viu sob rédeas e esporas. Versões semelhantes dessa história se repetiram em todo o mundo ao longo do último século. Um elenco de outsiders políticos, incluindo Adolf Hitler, Alberto Fujimori no Peru e Hugo Chávez na Venezuela, chegou ao poder da mesma maneira: a partir de dentro, via eleições ou alianças com figuras políticas poderosas. Em cada caso, as elites acreditaram que o convite para exercer o poder conteria o outsider, levando a uma restauração do controle pelos políticos estabelecidos. Contudo, seus planos saíram pela culatra. Uma mistura letal de ambição, medo e cálculos equivocados conspirou para levá-las ao mesmo erro: entregar condescendentemente as chaves do poder a um autocrata em construção."

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